6 de março de 2010

a morte em lisboa.

adoro fazer perguntas comprometedoras àqueles que estão obrigados ao silêncio. assim não têm escolha. são obrigados a mentir. o silêncio não é uma opção para eles. partilhar o segredo muito menos. mas eu sinto-me no direito de participar no segredo. logo, essa é a forma de entrar n'o jogo. a mestria da minha vida é a mentira e a loucura. a loucura é minha. a mentira fui buscá-la lá fora. porque quis, claro está. contudo, no outro dia tentei enganar-me. naquele dia. o tal. a festa já tinha acabado. toda a gente foi embora. uns seguiram para a esquerda. outros para direita. despedi-me de todos e, de repente, sem que desse por isso, fiquei sozinho. como se tivesse adormecido por um instante e a realidade me tivesse sido roubada. fui invadido por uma permanente sensação de abandono. a incerteza quanto ao futuro crescia de forma exponencial. o medo chegou. comecei a caminhar sem olhar para trás. sem reparar se o sinal estava verde ou vermelho. se estava no passeio ou na estrada. se a multidão inexistente corria para me abraçar ou para me espancar. tentei olhar para cima e procurar algum conchego numa luz a sair de uma janela. mas as janelas estavam fechadas. as luzes apagadas. a cidade tinha fugido. todos tinham fugido menos eu. não sei se essa espécie de impressão moral vinha do mundo exterior ou da minha existência. digamos que nasci com uma natural e incorrigível inclinação para o abismo. esse esboço de ideia ou reflexão foi interrompido quando fui fulminado por um poderoso feixe de raios luminosos. seguiu-se um impetuoso toque na perna esquerda, uma colisão com o meu braço direito e uma pancada de mão fechada no meu peito. a minha pulsação aumentou. as palpitações acercaram-se. comecei a ouvir incessantemente o movimento sincronizado do pêndulo de um relógio. era um som assíduo e incomodativo. tudo isso culminou com uma bordoada violenta de alcatrão que me rachou o crânio. foi como se de um golpe de martelo se tratasse. doeu mais do que o espetar de um picador de gelo no pescoço. a minha existência ficou estilhaçada naquele caminho, a que os vivos chamam de avenida, no fragmento de um segundo.

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